segunda-feira, 9 de setembro de 2002

De Espanha, nem bons ventos, nem ...

9 de Setembro de 2002

De Espanha, nem bons ventos, nem ...

Não é de hoje o sentimento anti-espanhol entre os portugueses. Muitos de nós assim fomos educados. A história, ou pelo menos aquela que nos foi ensinada nos bancos da escola, treinava-nos numa aversão a Espanha, identificando-a como a principal responsável pelos maiores desaires sofridos! A visão do período de 1580 a 1640, raras vezes foi entendida como uma guerra civil ou uma disputa entre aristocracias, ligadas por profundos laços familiares! Salazar e Franco, protagonistas de dois regimes autoritários de grande afinidade, principalmente depois da 2ª Guerra Mundial, viveram de costas voltadas! Ainda hoje muitos continuam à espera que um qualquer D. Sebastião apareça! Vivemos, até à integração na união europeia, como irmãos siameses separados à nascença.
Verifiquei anos mais tarde, que os portugueses eram uns vizinhos perfeitamente desconhecidos pelos espanhóis. Durante os anos 60 e 70, muitos de nós começamos a passar a fronteira, para provar a Coca-Cola proibida entre nós e para comprar calças de ganga “Lois”. Nos anos 80 foram os espanhóis, que principalmente durante a semana santa, nos invadiram em busca de toalhas de tecido turco e de provar o bacalhau, enquanto muitas famílias portuguesas começaram no verão a desfrutar da globalização do turismo no sul de Espanha, mais barato, melhor atendimento, fazendo-nos esquecer de um Algarve que nos rejeitava e humilhava, perante as invasões de turistas alemães e ingleses. No regresso das escapadelas a Espanha, os depósitos da gasolina dos nossos carros eram cheios, antes de cruzar a fronteira, acompanhando as bagageiras cheias de produtos espanhóis, pese embora a opinião generalizada que a gasolina espanhola não presta, o bacalhau e presunto de Espanha são de qualidade duvidosa, o chocolate não passa de um reles sucedâneo. Nos anos 90 e seguintes, começamos a assistir a uma invasão de médicos formados em Espanha, para suprir a falta destes profissionais formados pelas universidades portuguesas, ainda que a opinião expressa por alguns é que os médicos espanhóis possuem uma formação duvidosa...
Perante isto, pergunto: Se a gasolina espanhola é má, os carros em Espanha devem ter imensas dificuldades mecânicas? Se os alimentos são de qualidade duvidosa, os espanhóis devem possuir imensas deficiências nutricionais? Se os médicos espanhóis são mal formados, os níveis de sanidade e cuidados médicos devem ser piores que os nossos? Se os veterinários são mal formados, os níveis de sanidade animal devem ser catastróficos se comparados com os nossos? E mais não digo, porque viver em Portugal em termos de qualidade e nível de vida, será muito superior a Espanha? Com tantas dificuldades, como sobrevirão os espanhóis?
Vem tudo isto a propósito de uma notícia no DN de hoje, que dá conta que o constitucionalista Miguel Galvão Telles foi ao parlamento português, alertar os senhores deputados para a “arrogância insuportável dos nossos vizinhos” partindo do princípio de que Espanha já assumiu o controlo dos “principais interesses nacionais”. De notar que tais declarações se terão produzido na condição de convidado pela comissão parlamentar que estuda a reforma do sistema político. Infeliz coincidência! Que terá a ver a reforma do sistema político português com a arrogância dos nossos vizinhos?
Fiquei preocupado! Então nós ­ – que gostamos da gasolina espanhola porque é mais barata do que a nossa, que compramos o presunto em Espanha porque é melhor e mais barato que o nosso, que fazemos férias em Espanha porque a melhores preços somos mais bem cuidados que no Algarve, que somos assistidos por um médico espanhol porque não há um português que o faça, que casamos com as espanholas porque as portuguesas por esperar os de cavalaria viram passar os da infantaria – alienamos os interesses nacionais?
Não sei e não entendo de interesses económicos, banca e actividades bolsistas, especulação imobiliária, sector de transformação, etc. Onde estavam os nossos políticos e dirigentes, enquanto tais interesses nacionais foram alienados? Será, agora, altura de voltar a cerrar fronteiras, mudar o perfil das linhas de caminho de ferro – daquelas que ainda existem -, retomar os castelos, redobrar a vigilância? Iremos ser invadidos? Estará em risco a independência nacional? São os espanhóis os únicos invasores arrogantes?
Sou português, falo português - em Espanha evito falar o desprestigiante "portinhol" - e estimo a nossa cultura, mas VIVAM OS ESPANHOIS, porque deles tenho imensa inveja, do bem e da alegria com que vivem.